terça-feira, 21 de março de 2017

Quando chega a hora de escolher a profissão

Pintura: Tarsila do Amaral

A escolha profissional é uma das mais importantes que temos de fazer na vida. Escolher a profissão é construir a própria identidade. “O que você é?”, costumamos perguntar. Ora, somos muitas coisas, mas a profissão define grande parte de quem somos. A identidade profissional diz da posição que a pessoa ocupa na sociedade, da importância que tem para as pessoas ao redor. Ser alguma coisa, em termos profissionais, significa ser algo para os outros, ocupar um lugar na sociedade para fazer acontecer a vida social.

Quando criança, o ser humano precisa que outra pessoa cuide dele. O estado de fragilidade inerente à espécie humana apenas gradualmente vai cedendo espaço para a ação autônoma. Na adolescência, inicia-se a transição para a fase adulta, a pessoa vai assumindo a responsabilidade pela própria vida e passando para a posição de cuidar. E cuidar é oferecer algo ao outro, satisfazer suas necessidades ou desejos, marcar um lugar na sua vida. Da mesma forma, o trabalho é uma forma de marcar um lugar na sociedade e de satisfazer as necessidades ou desejos dos outros. Em outras palavras, de cuidar.

A decisão que se impõe ao jovem, então, refere-se ao lugar que irá ocupar na sociedade e à identidade que está construindo enquanto adulto, ou seja, passando a cuidar do outro ou oferecer algo para a sociedade. Escolher uma profissão, nessa perspectiva, é dar um passo para ser adulto e exercer um novo papel na vida. Não é de se admirar que a indecisão e a instabilidade emocional sejam reinantes nessa fase.

Soma-se a esse complexo processo de se tornar adulto a imaturidade que está se alongando na contemporaneidade; a adolescência está cada vez maior. A irresponsabilidade, a instabilidade emocional e a dependência financeira que caracterizam o ser adolescente frequentemente se mostram em pessoas de 30 anos. Se há algumas dezenas de anos era comum encontrar pessoas maduras na faixa dos 16 anos, que trabalhavam e cuidavam de suas próprias famílias, hoje isso não acontece.

Para compreender essa questão, é necessário saber que a adolescência não é uma fase demarcada biologicamente, que começa na puberdade, aos 12 anos, e termina ao completar o desenvolvimento físico, aos 18 anos (embora recentes pesquisas tenham descoberto que estruturas complexas do cérebro humano continuam se desenvolvendo até os 25 anos). Pensar assim é negar a construção social que faz a adolescência ser o que é: um acontecimento histórico relativamente recente.

O surgimento da adolescência coincide com o crescimento da demanda por preparação educacional para adentrar ao mundo do trabalho. Falar em adolescência é falar em período de transição, mudança ou transformação pelo qual passa o ser humano, que vai deixando gradativamente a vivência infantil para assumir um novo papel na sociedade. Durante muitos séculos poucas pessoas possuíam este privilégio, um período predeterminado de preparação; a maioria saía da infância diretamente para a fase adulta, com todas as responsabilidades que a fase requer. É uma conquista do século XX a valorização da adolescência como período de preparação para o universo adulto e de desenvolvimento da maturidade emocional.

Para complexificar ainda mais a questão, cito o recente crescimento da quantidade de profissões e da diversidade de campos de atuação em cada uma delas. Isso torna ainda mais difícil a escolha profissional. É diante dessa angustiante situação que o jovem precisa fazer sua escolha.

É no momento de angústia e de falta de informação adequada que se faz necessário buscar ajuda psicológica, por meio da orientação profissional. O processo consiste em ajudar o jovem a conhecer a si mesmo, seus interesses, aptidões e valores e os fatores que influenciam sua escolha e oferecer informações sobre as profissões existentes, as instituições de ensino técnico e superior e o mercado de trabalho. Fazer uma escolha consciente é o melhor passo para acertar o caminho que se quer construir para a própria vida.

Rodrigo Tavares Mendonça

Expectativas e idealizações: sementes da decepção?


Poucos escritores conseguiram combinar simplicidade e profundidade em um único livro de forma tão notável quanto Antoine de Saint-Exupéry, em seu best-seller “O Pequeno Príncipe”. Não por acaso, sua famosa obra figura entre as mais populares na literatura mundial. Algumas das mensagens e reflexões contidas neste livro se tornaram tão conhecidas que mesmo aqueles que não o leram provavelmente já ouviram sobre um ou outro trecho. Quem nunca ouviu, por exemplo, a célebre frase “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”? Não há como duvidar de que se trata de um livro que possui uma capacidade ímpar de tocar as pessoas.

Como ocorre em obras artísticas (não somente em livros, mas também em filmes, poesias, canções, peças de teatro, etc.) dotadas de grande profundidade, muitas vezes em uma única leitura não é possível captar toda a beleza ali contida. Belas pérolas acabam, às vezes, assumindo uma importância secundária dentro da trama central. Nestes casos, cada releitura enriquece um pouco mais e chama a atenção para um aspecto até então despercebido. Destas belas pérolas secundárias que compõem “O Pequeno Príncipe”, gostaria aqui de dar destaque à personagem do Rei.

O Rei, ao ser visitado pelo principezinho, gaba-se de reinar sobre todo o universo e, o que é ainda mais impressionante, de jamais ser desobedecido. Ao ser questionado sobre como conseguia tal feito, ele explica orgulhosamente sua conclusão: “Se eu ordenasse a meu general voar de uma flor a outra como borboleta, ou escrever uma tragédia, ou transformar-se numa gaivota, e o general não executasse a ordem recebida, quem, ele ou eu, estaria errado? (...) É preciso exigir de cada um o que cada um pode dar (...). Eu tenho direito de exigir obediência porque minhas ordens são razoáveis” (pg. 37 e 38).

Mensagem semelhante foi transmitida pelo ex-presidente uruguaio José Mujica, em um de seus discursos históricos: "É preciso ter a sabedoria de não pedir às pessoas o que elas não podem dar. Porque se a nossa impaciência pede mais aos homens do que eles podem dar, nós nos expomos a um fracasso e arruinamos aqueles a quem pedimos".

Tanto a personagem do Rei quanto o ex-presidente Mujica apontam para algo que raramente recebe nossa atenção: muitas vezes são traçadas expectativas elevadas, difíceis, até mesmo improváveis de serem atingidas; mas poucas vezes é questionado se a expectativa criada realmente era alcançável, viável ou mesmo justa. Nem sempre nos atentamos ao fato de que idealizações inalcançáveis, longe de impulsionar bons desempenhos, acabam por plantar a semente da decepção, por parte daquele que projeta, e da culpa, naquele em que é projetada tal idealização.

Não se trata de pregar a acomodação ou transmitir a ideia de que não se deve jamais nutrir qualquer espécie de expectativa. Se certo nível de exigência é importante (pois sem ela caímos na acomodação e nos paralisamos), um excesso pode conduzir à decepção e ao fracasso. Trata-se de dosar a expectativa que é criada; de ser razoável e coerente com aquilo que é possível; e de ser justo consigo (quando se trata de uma autoexigência) e com o outro.

Talvez, livres das decepções, da vergonha, da culpa, da raiva, da baixa autoestima e de tantos outros sentimentos negativos causados pelas idealizações e expectativas demasiadamente elevadas, as relações humanas se tornem mais prazerosas e de maior qualidade.

Angelo Antônio Santos Cardoso