terça-feira, 21 de março de 2017

Expectativas e idealizações: sementes da decepção?


Poucos escritores conseguiram combinar simplicidade e profundidade em um único livro de forma tão notável quanto Antoine de Saint-Exupéry, em seu best-seller “O Pequeno Príncipe”. Não por acaso, sua famosa obra figura entre as mais populares na literatura mundial. Algumas das mensagens e reflexões contidas neste livro se tornaram tão conhecidas que mesmo aqueles que não o leram provavelmente já ouviram sobre um ou outro trecho. Quem nunca ouviu, por exemplo, a célebre frase “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”? Não há como duvidar de que se trata de um livro que possui uma capacidade ímpar de tocar as pessoas.

Como ocorre em obras artísticas (não somente em livros, mas também em filmes, poesias, canções, peças de teatro, etc.) dotadas de grande profundidade, muitas vezes em uma única leitura não é possível captar toda a beleza ali contida. Belas pérolas acabam, às vezes, assumindo uma importância secundária dentro da trama central. Nestes casos, cada releitura enriquece um pouco mais e chama a atenção para um aspecto até então despercebido. Destas belas pérolas secundárias que compõem “O Pequeno Príncipe”, gostaria aqui de dar destaque à personagem do Rei.

O Rei, ao ser visitado pelo principezinho, gaba-se de reinar sobre todo o universo e, o que é ainda mais impressionante, de jamais ser desobedecido. Ao ser questionado sobre como conseguia tal feito, ele explica orgulhosamente sua conclusão: “Se eu ordenasse a meu general voar de uma flor a outra como borboleta, ou escrever uma tragédia, ou transformar-se numa gaivota, e o general não executasse a ordem recebida, quem, ele ou eu, estaria errado? (...) É preciso exigir de cada um o que cada um pode dar (...). Eu tenho direito de exigir obediência porque minhas ordens são razoáveis” (pg. 37 e 38).

Mensagem semelhante foi transmitida pelo ex-presidente uruguaio José Mujica, em um de seus discursos históricos: "É preciso ter a sabedoria de não pedir às pessoas o que elas não podem dar. Porque se a nossa impaciência pede mais aos homens do que eles podem dar, nós nos expomos a um fracasso e arruinamos aqueles a quem pedimos".

Tanto a personagem do Rei quanto o ex-presidente Mujica apontam para algo que raramente recebe nossa atenção: muitas vezes são traçadas expectativas elevadas, difíceis, até mesmo improváveis de serem atingidas; mas poucas vezes é questionado se a expectativa criada realmente era alcançável, viável ou mesmo justa. Nem sempre nos atentamos ao fato de que idealizações inalcançáveis, longe de impulsionar bons desempenhos, acabam por plantar a semente da decepção, por parte daquele que projeta, e da culpa, naquele em que é projetada tal idealização.

Não se trata de pregar a acomodação ou transmitir a ideia de que não se deve jamais nutrir qualquer espécie de expectativa. Se certo nível de exigência é importante (pois sem ela caímos na acomodação e nos paralisamos), um excesso pode conduzir à decepção e ao fracasso. Trata-se de dosar a expectativa que é criada; de ser razoável e coerente com aquilo que é possível; e de ser justo consigo (quando se trata de uma autoexigência) e com o outro.

Talvez, livres das decepções, da vergonha, da culpa, da raiva, da baixa autoestima e de tantos outros sentimentos negativos causados pelas idealizações e expectativas demasiadamente elevadas, as relações humanas se tornem mais prazerosas e de maior qualidade.

Angelo Antônio Santos Cardoso

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