quinta-feira, 4 de maio de 2017

A ESQUECIDA ARTE DO CONVÍVIO


A convivência é um aspecto inevitável da vida humana. É impossível ao homem estar alheio aos outros, e não faltam evidências (científicas, filosóficas, empíricas...) que atestam este fato.

O renomado físico Fritjof Capra possui em seu currículo dezenas de obras em que, entre outros temas, sustenta a irrevogável “interdependência” de tudo o que existe. O que significa isso? Significa que tudo o que existe não pode existir dependendo só de si. Estar ligado aos outros é tão básico e necessário à vida quanto a respiração, a alimentação e a reprodução. O diferente de si é condição necessária para a existência.

Numa linha semelhante à de Capra, o teólogo Leonardo Boff compreende a Terra como uma rede à qual todos os seres estão interconectados e dependem de todos; e que as condições básicas da vida só se fazem possíveis devido a esta interconexão. Por exemplo: o oxigênio, essencial à respiração dos animais, é produzido e renovado por outros seres (árvores, algas, etc.). Sem estes para renovar nosso oxigênio, a existência se tornaria inviável. Aliás, o próprio ar que respiramos é compartilhado por todos os seres vivos. Através dele estamos todos conectados. Se, por exemplo, poluímos o ar a ponto de torná-lo irrespirável, afetamos TODOS os seres vivos que do ar precisam para sobreviver.

Trazendo a discussão especificamente para o universo humano, o filósofo Martin Heidegger defende que o “ser” do homem é, antes de tudo, “ser-com-os-outros”. Em outras palavras, existir é co-existir (existir junto): o homem não existe somente, ele “co-existe”. O indivíduo humano depende dos outros para ser o que é (evidencia-se aqui a interdependência), e desde o começo até o fim da vida afetará e será afetado incessantemente por outros humanos. Heidegger ainda argumenta que, mesmo se o homem decide confinar-se ou fugir a toda interação com outros homens, ele só pode tomar este tipo de decisão após ser afetado por suas experiências de convívio. A conclusão a que Heidegger nos conduz: é impossível não haver conexão, não afetarmos nem sermos afetados pelos outros. Somos afetados até mesmo nas mais radicais tentativas de isolamento.

Fato tão amplamente constatado, a inevitável conexão parece ter sido esquecida ou ignorada por muitos. Este aparente esquecimento torna-se evidente em comportamentos e atitudes que têm se tornado cada vez mais corriqueiros. Talvez um dos exemplos mais evidentes seja a constante demonstração de hostilidade entre indivíduos e grupos antagônicos, em vários campos da vida humana.

No campo da política, grupos de esquerda e de direita infantilizam e imbecilizam uns aos outros, esquecendo que assim contribuem para acentuar o extremismo alheio e o consequente distanciamento que impossibilita todo e qualquer diálogo – impossibilidade que prejudica a ambos.

No campo social, a crescente hostilidade dos auto-intitulados “cidadãos-de-bem” a grupos e indivíduos marginalizados não faz outra coisa senão fragilizar os laços sociais e de pertencimento destes, convidando-os, assim, a relacionar-se no mesmo nível – consolidando cada vez mais a hostilidade como mediadora das relações que, como já argumentamos, é inevitável. Conduta semelhante é dirigida a minorias historicamente subjugadas (como negros, mulheres, homossexuais, usuários de drogas, etc.), colocando, assim, o ódio entre os principais ingredientes do pacto social.

Em nível pessoal, não tem sido raro deparar-se com relações entre casais, pais e filhos, irmãos, patrões e empregados, professores e alunos (...) que se pautam por tentativas de dominação alheia, de humilhação, pelo assujeitamento do outro às vontades individuais, pelo menosprezo ao outro, etc. Não se dão conta que ao proceder desta forma diminuem a qualidade da relação em que eles mesmos estão inseridos.

A atitude fundamental que liga estes exemplos – e inúmeros outros que também poderiam ser citados – é a mesma: em ambos os casos destaca-se uma conduta que age como um veneno a sufocar o inevitável convívio, a irrevogável comunhão que, gostando ou não, temos com aqueles que compartilham conosco as mesmas relações, os mesmos espaços, o mesmo mundo, a mesma casa comum.

Faz-se urgente e de suma importância a adoção – em nível pessoal, social e planetário – de atitudes mais favoráveis ao convívio que, como vimos, é a única forma viável que temos para existir.

Angelo Antônio Santos Cardoso

2 comentários:

  1. Extremamente necessário ao ser humano conviver em harmonia com os outros, mas ás vezes estar sozinho faz bem pra mente. Seria um meio de reflexão do que aconteceu e o que podemos planejar. Parabéns á vocês pelo Blogger e estarei acompanhando á todas suas publicações. Muito Obrigado..!

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    1. Fico lisonjeado que tenha gostado da reflexão, Frank. Excelente ponto que você toca quando fala da necessidade de estar sozinho em alguns momentos. Espero que também goste dos próximos textos. Abraço!

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